[Abortos Literários #21] - De volta ao passado
Reflexões sobre o amor e a idealização do passado com a história de Jesse e Celine na Trilogia do Antes.
Esse fim de semana aproveitei uma gripe pesada para ficar em casa e rever a trilogia do Antes. Para quem não conhece, os filmes Antes do Amanhecer, Antes do Por do Sol e Antes da Meia Noite contam a história de Jesse e Celine ao longo de duas décadas. Vai ser um pouco difícil não contar a história sem alguns spoilers, mas quero falar um pouco sobre a minha percepção ao rever estes filmes após tanto tempo.
Antes do Amanhecer começa com Celina em um trem, presenciando uma briga do casal sentado ao seu lado. Incomodada com a discussão ela levanta-se e vai para a parte de trás do vagão, sentando perto de Jesse, um americano que está fazendo um mochilão pela Europa e vai passar uma noite em Viena enquanto espera seu avião para os Estados Unidos. Os dois, então, começam a interagir e o rapaz convida a jovem francesa a passar esta última noite com ele, conhecendo a cidade e conversando. Nos próximos minutos do filme iremos acompanhar estes dois jovens perambulando enquanto conversam sobre a vida e sobre suas visões em relação ao amor.
A primeira vez que vi o filme era apenas uma adolescente, que nunca tinha saído de Rio Branco e muito menos experimentado as delícias (e dificuldades) de se apaixonar por outra pessoa. Pelo menos não como Jesse e Celine. O filme, para lá de romântico, ficou gravado na minha memória como uma bela história de amor.
O primeiro filme da trilogia é de 95. Nove anos depois, foi lançado Antes do Por do Sol, onde acompanhamos o reencontro de Jesse e Celine em Paris. Descobrimos o que aconteceu com estes personagens nove anos após aquela noite em Viena, quando eram jovens universitários. Agora, adultos, a visão deles sobre amor é mais madura e muito menos idealizada. Lembro que assisti ao filme alguns anos depois do primeiro, no inicio da faculdade e, até hoje, é o meu favorito da trilogia. Apesar de ambos os personagens estarem desiludidos amorosamente, ainda existe nesse filme uma dose de esperança nas possibilidades dos amor. O romantismo ainda paira no ar, junto com todos “e se” desta história de amor.
Já o terceiro filme, Antes da Meia Noite, tem uma carga dramática muito mais pesada. Desta vez, acompanhamos o casal em uma noite na Grécia, nove anos depois do encontro em Paris – o mesmo tempo que passou entre o lançamento do filme anterior e este. Os dois estão casados, tem duas filhas, e lidam com problemas muito mais densos em sua relação, que está repleta de mágoas e assuntos não resolvidos. A intimidade construída ao longo dos anos também é responsável pelas palavras extremamente cruéis que um diz para o outro.
Ao rever os filmes percebi que tinha uma visão muito romantizada do relacionamento dos dois – parecia muito mais bonito na minha memória do que realmente é. O personagem do Jesse me pareceu muito mais cruel e condescendente do que me lembrava. A personagem de Celine é bem mais neurótica. Os dois, muito mais falhos e, por isso, muito mais humanos.
Mas é interessante ver as fases do amor ao longo dos anos, da paixão juvenil do primeiro filme aos momentos agridoces do último filme. Toda a idealização romântica que se perde com o dia a dia do relacionamento, pois não há espaço para a fantasia. No segundo filme, mesmo que os personagens estejam desiludidos com seus relacionamentos, eles ainda podem idealizar a relação um com o outro. Com tudo o que poderia ter sido. Mas, depois de atravessar essa linha e finalmente viverem o relacionamento, com todas as suas angustias e dificuldades, não há mais espaço para a idealização. Resta lidar com a cruel, difícil, bagunçada realidade que é se relacionar com outra pessoa. Pode soar triste e cruel, como se não houvesse espaço para felicidade na relação a dois, mas ao mesmo tempo é extremamente real e tocável a forma como as vidas desses dois personagens se entrelaçaram ao longo dos anos.
Ao rever os filmes, percebi que eu mesma idealizei menos o casal. Já não conseguia vê-los como o ápice do romance, como no inicio da minha juventude, agora conseguia enxergá-los como duas pessoas que apesar de todas as dores, encontravam um no outro a conexão e o afeto que é tão difícil de reconhecer. Como diz Celina no segundo filme: “quando somos novos, acreditamos que vamos encontrar este tipo de conexão muitas vezes na vida. E depois descobrimos que elas são raras, aparecem poucas vezes”. E, mesmo assim, vemos como é tão difícil cuidar deste tipo de conexão, porque desperta nossos piores medos e gatilhos. Ainda assim, é através deste encontros que vamos realmente nos conhecendo de verdade.
A vida pode ser muito confusa, complicada e dolorosa. Mas se existe alguma magia está na possibilidade de se conectar com o outro. De conhecê-lo. E de se deixar conhecer.
Caos Criativo
1.
entre eu e você
existem todos os mistérios
do universo
no afeto
do teu toque
no silêncio
dos teus olhos
na distância
entre nós
é onde existe a magia
da vida
2.
no dia que você
foi embora
suas palavras
me atingiram
como a navalha afiada
de um bisturi
abriu meu peito
e deixou meu coração
a mostra
vulnerável
desde então eu espero
a minha pele cicatrizar
Na Sua Estante
1. Recebi da Comtato Comunicação o livro Do Dilúvio Entre Tuas Coxas, da poeta, fotógrafa, atriz e professora paulistana Isabela Penov (@isabela.penov). Dividido em quatro partes (Minhas Umidades nas Suas, Carne Verbo, Felix Culpa e Amor, Romã) a obra trabalha a sexualidade e o erotismo a partir de um ponto de vista feminino e feminista. A autora retrata relações heterossexuais e homossexuais, bem como a masturbação e a autodescoberta dos corpos femininos. O livro foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, o ProAC.
2. Sou uma grande fã da Sally Rooney, por isso já fazia um tempo que gostaria de assistir a série Conversations with Friends, inspirada no livro da autora de mesmo nome, que conta a história de Frances, uma jovem de vinte e poucos anos, universitária, que se apresenta em atos de poesia falada com sua ex-namorada agora melhor amiga, Bobbi. Quando as duas conhecem a escritora Melissa e seu marido Nick, ficam encantadas, cada uma por uma parte deste casal. Mas o encantamento inicial logo se transforma em um caso extraconjugal entre Nick e Frances – o que vai mexer com a relação de todos os personagens, principalmente com a sua amizade com Bobbi.
3. Li o livro em 2020, ainda encantada por Normal People. A adaptação dessa obra, no entanto, é muito mais complexa. Primeiro, porque é muito mais difícil entender e simpatizar com o romance entre Frances e Nick. E, principalmente, porque no livro toda a história é contada em primeira pessoa pela protagonista, enquanto na obra cinematográfica falta uma narrativa que nos aproxime de Frances - uma personagem que está sempre pensando demais e dentro da própria cabeça. A sensação é a mesma do livro: Conversations with Friends é uma boa obra, que representa de forma interessante a geração milleniaum, mas que não tem o mesmo encanto que Normal People. A trilha sonora, por outro lado, é uma delícia.
4. Estou completamente obcecada pela estreia do filme da Barbie. Não apenas porque adoro todos os trabalhos da Greta Gerwig, mas também porque o filme está sendo uma aula de marketing – e como trabalho com isso, está sendo um prazer acompanhar todas as ações promocionais feitas pelo filme e pela marca. Do uso de inteligência artificial, da tendência na moda barbiecore, das referências as roupas da boneca durante as premières do filme até deixar o site do Google rosa quando você pesquisa informações sobre o filme, a campanha de marketing está sendo primorosa. Vamos ver o se o filme vai conseguir sustentar o hype. Espero que sim. Para quem quiser fazer o esquenta do filme, segue a lista dos 33 filmes que inspiraram a diretora Greta Gerwig.
Para Ouvir: CMAT - I Don't Really Care For You (Official Video)
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A Luísa manske, da andanças, fez um review maravilhoso da trilogia. Revi na época que ela postou os textos e definitivamente continuei amando todos. Já não lembro direito o que achei qdo nova, faz mais de vinte anos que assisti o primeiro... Jesse e Céline continuam queridos no meu coração 🌷