[Abortos Literários #19] - À deriva nas miudezas da vida
Quão perfeita e complexa é a natureza? Essa é a principal reflexão que ficou na minha cabeça enquanto visitava a exposição Drift – A Vida em Coisas.
Quão perfeita e complexa é a natureza? Essa é a principal reflexão que ficou na minha cabeça enquanto visitava a exposição Drift – A Vida em Coisas, que está em exibição no CCBB de São Paulo, e pode ser conferida gratuitamente até o dia 07 de agosto.
Em inglês, a palavra “Drift” significa algo como “estar à deriva”, ou “à mercê”. A partir desta ideia, os artistas holandeses Lonneke Gordijn e Ralph Nauta criaram o Studio Drift. Desde então, eles vêm desenvolvendo esculturas, instalações e performances que refletem sobre a tecnologia e a natureza, e como elas podem viver em harmonia. Até este fim de semana, eu não conhecia os artistas, mas fiquei encantada com suas obras.
O primeiro andar da exposição mostra a desconstrução das coisas. A partir de um objeto mundano, eles vão descontruindo as matérias-primas e remontando-as em blocos. O que é um fusca? Um monte de alumínio, estofados, couro e outras matérias-primas? O que acontece quando desconstruímos as coisas e damos uma nova vida e sentido a elas? A partir desta reflexão, vamos vendo os objetos reconstruído para mimetizar a natureza.
A cada andar, uma nova forma de olhar os objetos – que são criados para um novo fim. Para despertar o sentir, o movimento, as sensações. São obras que tocam em elementos essenciais da vida na Terra. A luz é um deste elementos. De acordo com Alfons Hug, curador da mostra, ao colocar a luz como componente central de suas composições artísticas, o DRIFT “aponta para a ociosidade da vida cotidiana e a futilidade da atividade humana". Foi um pouco assim que me senti, como se estivesse lendo um poema de Manoel de Barros sobre as miudezas da vida.
Durante a exposição, três obras chamaram a minha atenção: a instalação feita a partir de sementes de dentes-de-leão grudadas em leds; uma escultura que se abre e se fecha, numa coreografia que mimetiza o comportamento de flores; uma obra feita de vários cilindros de vidro que imita o movimento das asas de um pássaro. Não consegui parar de pensar como é complexo e difícil imitar a natureza. Um dente-de-leão apenas nasce assim, mas para criá-lo a partir de led, é preciso colar milhares de sementes. Um trabalho do cão. A natureza é perfeita em sua complexidade - e nós, seres humanos, insistimos em destruí-la para o lucro de poucos.
No mesmo dia, também visitei a Japan House para ver a exposição “Japão em miniaturas - Tatsuya Tanaka”. Sob o conceito ‘mitate’ (figura de linguagem que no Ocidente se traduz como comparação, justaposição, alusão, metáfora, metonímia ou paródia), o fotógrafo japonês cria cenas usando objetos do dia a dia japonês, como conchas, alimentos, itens de maquiagem, canudos, pregadores, leques, entre outros.
Mudando a escala desses objetos e acrescentando outros elementos, tudo se modifica. Uma escova de cerdas se transforma em uma plantação de arroz, canudos verdes são confundindo com um bambuzal, sushis enfileirados em esteiras vira um trem na estação. Brincando com as escalas e com a perspectiva, aqui também damos um novo sentido as coisas e aos objetos mundanos, mas desta vez sem a tecnologia. A brincadeira está no olhar.
A verdade é que ambas as exposições mostram que, algumas vezes, a gente só precisa olhar de uma forma diferente para o mundo. Um olhar mais curioso e infantil, onde as coisas que são comuns – o desabrochar das flores ou vários pregadores grudados uns nos outros – tornam-se extraordinárias.
Caos Criativo
1.
busco a intimidade
nos lugares errados
nos olhares
que não me enxergam
nas pessoas
que não me reconhecem
nos andares
que me deixam para trás
busco a intimidade
no outro
e não em mim
2.
há esperança,
enfim?
3.
me desgarro
dos medos
me desprendo
das inseguranças
me solto
das amarras
e rezo
pela minha
paz
na esperança
que ela fique
em mim
e não me abandone
nos dias
que mais preciso
quero cultivar
a leveza da vida
Na Minha Estante
1. É claro que a primeira dica é que vocês visitem as exposições. Drift – A Vida em Coisas está em exibição no CCBB de São Paulo até o dia 07 de agosto. Japão em Miniatura fica na Japan House até 08 de outubro. No local, também tem uma exposição sobre brinquedos muito legal para levar os pequenos – inclusive com espaços para eles brincarem. Vale a pena para quem mora ou estiver passando por São Paulo.
2. Já estava namorando o livro “Escova de Dentes”, da poeta e bibliotecária Cris Oliveira, há um tempo. Primeiro pelo título instigador – também tenho um poema que remete ao objeto da escova de dentes -, segundo pela belíssima capa. Então, fiquei muito feliz quando ganhei o e-book da Comtato, uma assessoria de imprensa para projetos literários que tem a gentileza de reconhecer esta newsletter como um espaço de divulgação de autores. Dei uma rápida olhada nos primeiros poemas da obra, mas ainda não comecei a ler. Confio bastante no trabalho da Paraquedas, a editora do livro, então estou bem curiosa. Este ano me propus a ler mais poesia, principalmente de autoras contemporâneas, e está sendo uma experiência enriquecedora. Para conhecer a autora, siga: @cris_taiane
3. Para os escritores de plantão: estão abertas as inscrições para o Prêmio Internacional Pena de Ouro 2022, patrocinado pela Casa Brasileira de Livros, que tem como objetivo selecionar contos e poemas a serem premiados, a fim de reconhecer autores e estimular a produção da literatura em língua portuguesa. Serão mais de 40 mil reais distribuídos entre os primeiros colocados nas categorias de conto e poemas. Confira o edital aqui.
4. Para mim, Gilberto Gil é a trilha sonora de domingo. Perdi a conta de quantas vezes acordei aos domingos com minha mãe colocando um CD do Gilberto Gil o mais alto possível no aparelho de som e limpando a casa. Gil é um dos artistas mais magníficos do Brasil e que precisa ser aproveitado ao máximo enquanto ainda está entre nós (que privilégio viver na mesma época que ele). Por isso, não vou perder a nova série documental que estreou na Prime Vídeo: Viajando com os Gil. Os episódios acompanham os bastidores da turnê de Gilberto Gil com a sua família pela Europa. Amor, brigas, risadas, estresses e muita música. Para quem for assistir, recomendo antes maratonar Em Casa Com os Gil, que mostra os preparativos para a viagem.
Para Ouvir: GILBERTO GIL - Serafim
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eu criei uma newsletter por aqui tbm, e fui na exposição Drift sexta feira. sai morrendo de vontade de escrever e estou criando umas reflexões sobre ela também!