[Abortos Literários #16] - Entre a culpa e a esperança
No último fim de semana acompanhei a palestra de Sueli Carneiro na Feira do Livro de São Paulo. Entre culpa e esperança, reflito sobre as lutas que dedico a minha vida.
Esse foi um dos textos mais difíceis de escrever nesta newsletter. Apesar de a ideia ter surgido na quinta-feira, passei dias travando na frente do computador, sem conseguir escrever uma palavra sequer. Ainda não sei se conseguirei dar algum sentido a esse texto. Ultimamente, está sendo cada vez mais desafiador escrever – não ando gostando muito do que escrevo, parece sempre faltar algo. Uma reflexão mais elaborada, um pouco mais de referências artísticas e literárias, temas mais interessantes. Me sinto vazia para escrever. Ainda assim, sigo o compromisso de escrever toda semana, porque esse espaço me mantém ativa.
No último fim de semana acompanhei a programação da Feira do Livro de São Paulo, que aconteceu no Pacaembu. Durante a mesa Contínuo Preta, a escritora, pesquisadora e ativista Sueli Carneiro conversou com a também escritora, pesquisadora e ativista Bianca Santana, mediadas por Juliana Borges. Três nomes de peso. O encontro foi emocionante. Enquanto ficava sentada na grama da praça, observava o grande público que se reuniu ao local para ver aquelas três mulheres pretas falando sobre ancestralidade, feminismo, racismo, afeto, cuidado, senti uma emoção difícil de descrever. Esperança talvez.
Um dos momentos que mais me marcou foi quando Sueli disse que dedicou toda a sua vida a luta no movimento negro e no movimento feminista. Fiquei reflexiva por dias, pensando quais são as lutas que dedico a minha vida – será que dedico? E como faço isso? Sou de uma família de ativistas e sonhadores de utopias. Constantemente sinto que não faço o suficiente, que existe um potencial em mim para auxiliar nas causas que me são importantes, mas que estou constantemente sentindo que passo mais tempo tentando pagar as contas e sobreviver do que realmente fazer algo significativo com o meu tempo. Parece que nunca estou fazendo o suficiente e fico me sentindo culpada por isso.
Tento usar as minhas palavras – as únicas armas que consigo manusear – para falar de temas que considero importantes. A proteção do meio ambiente, a defesa das comunidades indígenas, a luta racial, a igualdade de gênero, o respeito ao amor em todas as suas formas, a diminuição das desigualdades sociais. Ainda assim, parece pouco. Ao mesmo tempo, sinto que com o tempo tem ficado cada vez mais doloroso fazer parte dessa luta - algo que Sueli Carneiro comentou durante a sua palestra, que oscilava entre uma bronca com as gerações mais novas e uma dose de incentivo para continuar lutando. Existe alguma alternativa além de continuar acreditando?
Desejo ter a resiliência da Sueli. Conseguir passar uma vida inteira travando essa luta incansável e permanecer ativa. Sinto que constantemente me falta esperança e otimismo. São muitos anos de pancadas e poucos avanços. Mas é quando vou em espaços como a Feira do Livro que sinto uma pequena luz no fim do túnel, principalmente quando vejo a diversidade de histórias que estão sendo expostas. Até pouco tempo, seria muito difícil ver tantos autores indígenas, negros, mulheres e da comunidade LGBTQIA+ contando suas histórias.
Talvez ainda haja esperança. Não sei. Quero acreditar que sim.
Caos Criativo
[ojeriza]
quando você me abraça
meu corpo se afasta
involuntariamente
você me oferece
tudo o que sempre pedi
e meu único desejo
é desaparecer
[a dez passos de você]
Oscar passou a noite inteira observando todas as pessoas que entravam pela porta do apartamento de Amanda, então não foi uma surpresa ele ter sido o primeiro a perceber Julia chegar. Ele tentou manter a calma enquanto observava a ex-namorada abraçar a anfitriã. Fingiu não perceber que ela estava acompanhada de um rapaz que ele sabia se chamar Lucas. Foi na cozinha, tentando fugir do constrangedor momento em que seus olhares iriam se encontrar e seriam obrigados a manter algum tipo de civilização entre os amigos em comum. Pegou uma cerveja na geladeira e caminhou até a área de serviço, onde um grupo de pessoas que ele não conhecia estavam fumando e conversando sobre política. Ouviu fingindo interesse, de costas para a porta da cozinha, mas conseguiu ouvir a voz de Julia falando sobre algo relacionado ao seu trabalho enquanto guardava as cervejas que tinha comprado na geladeira e conversava com a aniversariante. Ela odiava o emprego e se surpreendeu por ela ainda estar lá, mesmo depois de oito meses. Sentiu seu corpo ficar dormente, sabendo que estavam no mesmo ambiente, mas manteve-se imóvel na esperança dela não perceber a sua presença. Escutou quando ela voltou para a sala e finalmente respirou aliviado. Sabia que aquela noite seria complicada. Sabia que ela estaria lá. Sabia que provavelmente estaria acompanhada. Mas, a verdade, é que não imaginou que doeria tanto. Quando voltou para a sala, seus olhos se encontraram imediatamente. Ele sentou na cadeira onde estava sentado antes, ao lado de um grupo de amigos. Ela, conversando com uma amiga e o novo namorado, sorriu tímida em sua direção. Sem reação, sorriu de volta, reconhecendo sua presença. Os dez passos que os separavam parecia um abismo e ele gostaria de poder se jogar lá, para desaparecer.
Na Minha Estante
1. Assisti a terceira (e aparentemente última) temporada de Valéria, série espanhola da Netflix que conta a história de uma escritora (a qual o nome dá título à série) que tenta navegar pela sua vida amorosa com a ajuda de suas três melhores amigas: Nerea, Carmen e Lola. Nessa temporada, Valéria se vê dividida entre seu relacionamento conturbado e apaixonado com Victor e um novo romance, que parece lhe oferecer toda a estabilidade que ela não encontra no primeiro pretendente. Mas, será que ela está pronta para receber tudo o que deseja? Apesar de não ter sido confirmado ainda, a temporada tem gostinho de season finale, encerrando o ciclo de todos os seus personagens de forma divertida.
2. Outro season finale que finalmente encerrei foi a quarta e última temporada de Sucession que, novamente, conseguiu surpreender mesmo usando uma estrutura semelhante à de temporadas anteriores e eu já sabendo o final da série. Não consigo deixar de pensar que um dos principais méritos seja a interpretação fenomenal dos atores, especialmente os três irmãos que lutam pela sucessão da empresa, que brilharam nessa última temporada. A complexa relação entre eles, marcada pela eterna disputa pelo amor do pai (representada no conflito de quem irá assumir a empresa) e o sentimento genuinamente fraternal que eles têm um pelo outro, mostra o quanto esses personagens estarão sempre marcados pelo trauma de serem filhos de Logan Roy. E acredito que a série fez jus a cada um dos personagens, dando a estes personagens tão amavelmente desprezíveis o final que eles merecem.
3. Acompanhei de perto a programação da Feira do Livro de São Paulo, que aconteceu de 07 a 11 de junho no Pacaembu. Com uma programação extensa de palestras, tive o privilégio de ouvir nomes como Sueli Carneiro, Jericho Brown e Itamar Vieira Jr falando sobre escrita, luta e processos criativos. Cada vez que vou em um evento literário tenho a certeza que minha alma se alimenta. Uma clara sensação de que, naquele momento, a vida faz sentido.
4. O único livro que comprei durante a Feira do Livro de São Paulo foi o romance de estreia de Rita Carelli, Terrapreta, que conta a história de uma adolescente que após um trágico acontecimento vai morar com o pai arqueólogo em uma aldeia no Alto Xingu. Ouvi falar do livro recentemente por causa de um clube de leitura, mas não sabia muito mais do que a sinopse. A temática me interessou porque a história se passava na Amazônia e porque pesquiso cinema indígena, mas foi só depois de comprar o livro que descobri que a autora é filha do fundador do Vídeos nas Aldeias. Uma feliz coincidência.
5. Recebi da Com.tato Comunicação o livro Banzo e Afetos, da escritora e multiartista Terezinha Malaquias. Dividido em três parte (crônicas, contos e poemas), o livro foi escrito durante a pandemia e traz reflexões e sentimentos, de cunho pessoal e coletivo, vividos pela autora que reside em Freiburg, na Alemanha. A ancestralidade, o afeto e o desejo de vida são alguns dos temas abordados na obra. Ainda não comecei a ler o livro, mas já está na minha lista de próximas leitura e assim que terminar compartilho com vocês! Quem deseja conhecer novos autores contemporâneos, recomendo que visitem o perfil da artista: @terezinhamalaquias.
Para ouvir: Taylor Swift - august (studio sessions)
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