[Abortos Literários #15] - É preciso que a arte se pague
O que cabe aos artistas que não conseguem viver da própria arte? Uma eterna luta contra a falta de tempo?
No livro “Um Teto Todo Seu”, a escritora Virginia Woolf apresenta a sua tese de que para uma mulher se tornar escritora ela precisa ter um espaço para trabalhar e uma situação financeira estável. O tal do teto todo seu seria, portanto, um local longe das obrigações da mulher com a casa, os filhos ou qualquer atividade que lhe distraísse de seu ofício. É possível também dizer que esta mulher precisaria de tempo para trabalhar. Tempo para estudar, para pesquisar referências, para experimentar, para testar, para errar. Ou seja, para criar. Este não é um cálculo fácil e, a cada dia, parece ainda mais complicado. Em meio as obrigações de trabalho, casa, família, vida social, estudos e boletos para pagar... Como arranjar tempo, espaço e estabilidade financeira para criar? Me parece que só podemos escolher um ou dois. Nunca os três.
E quando falamos da criação feita por mulheres – e outras minorias – ainda existem diversos outros obstáculos que precisam ser vencidos para que seja possível desenvolver um trabalho artístico. Em suas reflexões no ensaio de Um Teto Todo Seu, Woolf cria uma situação hipotética: e se Shakespeare tivesse uma irmã igualmente talentosa? Essa irmã, por mais que tentasse seguir os mesmos passos do dramaturgo, não chegaria ao mesmo lugar. Não receberia as mesmas oportunidades, não seria tratado do mesmo jeito e teria sua genialidade sufocada por todas as imposições sociais feita as mulheres.
Gosto muito de uma arte da Guerrilla Girls, um coletivo anônimo de artistas ativistas e feministas que falam sobre a realidade das mulheres no mundo da arte, intitulado “As Vantagens de Ser uma Artista Mulher”. Ela reflete, de uma forma para lá de sarcástica, as dificuldades de ser uma mulher artista.
Como disse em edições anteriores, estou lendo a autobiografia da Rita Lee. E, ao mesmo tempo que é extremamente contagiante a forma como ela vai contando toda a efervescência cultural da época, é também perceptível que por mais geniais que fossem, muitas das obras de Caetano, Gil ou Rita não existiriam se eles precisassem trabalhar em um escritório durante oito horas por dia para pagar o aluguel. É preciso que a arte se pague. Não é possível criar sem um lugar para morar e a certeza de comida na mesa.
Eles, com seu talento, conseguiram viver da própria arte. Mas, quando isso não é possível, o que cabe aos artistas? Uma eterna luta contra a falta de tempo? Possivelmente. Não encontrei uma solução para este problema, vivo nessa batalha de criar nas frestas, no tempo que sobra, no entre compromissos enquanto procuro formas de monetizar minhas criações. Apenas entendi que, para mim, deixar de criar não é uma alternativa. Depois de anos lutando contra a instabilidade financeira e a falta de tempo, todas as vezes que abri mão da minha criatividade e dos meus projetos pessoais, me vi imersa em crises depressivas. Escrevo porque preciso. Essa é a única forma que consigo estar no mundo. Com ou sem tempo.
Caos Criativo
[inútil]
a vida não é útil
eu também não sou
entre o céu e a terra
existe mais que
a produtividade
não sou máquina
não sou o chatgpt
respiro, vivo
como, crio
a vida tem que ser mais
do que isso
é preciso de arte
para respirar
sob a redoma
[peregrinação]
existe uma beleza existencial em não saber exatamente o que fazer da vida. de descobrir o caminho a partir da caminhada. é um percurso doloroso, penoso, em que as bolhas vão estourando nos pés e você é obrigado a continuar mancando. por vezes, me vejo aos prantos, impossibilitada de dar mais um passo. mas é quando consigo parar de pensar no destino e apreciar a paisagem que encontro algum sentido no caminhar.
Na Minha Estante
- sobre os bastidores de uma críticas literária. Me pegou de jeito, pelas angústias que sinto ao escrever, mas também por ser um texto sensível que passa pelas memórias infantis e ancestrais da autora para abordar a construção de uma crítica.
Cheguei ao famoso episódio três da quarta (e última) temporada de Succession. E é incrível como, mesmo eu já sabendo do principal spoiler da temporada, a série ainda conseguiu me surpreender. Todo o episódio é primoroso e repleto de atuações fenomenais. É para criar momentos como esse que a arte existe.
Admito que a série não é o meu estilo e demorei para pegar o gosto por ela. Mas, mesmo assim, recomendo fortemente. Não é uma série para você amar os personagens, pelo contrário, o objetivo é ter sentimentos conflitantes com todos. De preferência, detestá-los. Eles são desprezíveis e a própria representação de tudo o que me revolta no capitalismo. Já estou ansiosa para o final da temporada. Mesmo já sabendo o que acontece (não consegui fugir dos spoilers), ainda quero descobrir como chegaremos lá. O percurso é muito mais interessante que a linha de chegada.
De 07 a 11 de junho acontece em São Paulo a Feira do Livro, na Praça Charles Miller, do Pacaembu. A programação está interessantíssima e a sessão de abertura acontece no Palco da Praça, às 19h, com a palestra O Espírito da Floresta, em homenagem ao jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinados ano passado no Vale do Javari. Participam o líder indígena Davi Kopenawa Yanomami, o jornalista britânico Tom Phillips, a antropóloga Hanna Limulja e o músico e jornalista Xavier Bartaburu. A programação completa você acessa aqui. Bora?
Para Ouvir: Caetano Veloso, Gilberto Gil - Drão (Vídeo Ao Vivo)
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